Recife (PE) – Do livro “No Planalto, com a imprensa”,
cujos dois volumes reúnem entrevistas de secretários de imprensa e
porta-vozes de JK até Lula, prefiro ressaltar frases de assessores que
serviram à ditadura brasileira. Nas passagens que o eufemismo
recomendaria chamar de momentos menos honrosos, são indicadas ações vis
como se fossem coisas bobas, ossos do ofício de experientes
assessores, entre um riso e outro.
É sintomático do nível geral do jornalismo que ninguém mais se
espante com informações graves, como estas cândidas palavras de Carlos
Chagas, assessor de Costa e Silva, ao lembrar seus tempos de O Globo:
“As informações sobre o que podia ser veiculado vinham dele,
Roberto Marinho. Mas era esporádico, vinham de vez em quando, porque o
Roberto Marinho era daqueles jornalistas antigos que não admitiam
notícia política, vamos dizer, elaborada pelo repórter. Ele tinha uma
orientação clara: ‘Tem que escrever: fulano de tal disse a O Globo,
disse a O Globo, disse a O Globo. Aí, publique tudo o que você quiser,
na boca do outro’. Era esperto, não? Para O Globo não ser acusado de
nada”
Não há sequer um tímido parêntese ou palidez de itálico para o ato de
enfiar palavras não ouvidas na boca de terceiros. Nem mesmo para este
comportamento de repórteres, no depoimento de Humberto Barrada,
assessor de Geisel:
“… Certa vez, um jornalista de O Estado de São Paulo, havia
escrito uma matéria com uma declaração do presidente em uma reunião e
veio me mostrar. Eu disse: ‘Não foi isso o que ele falou. O senhor está
enganado’. E ele insistiu: ‘Foi, sim’. Então, disse eu: ‘Dê-me o papel e
espere aí’. Fui ao gabinete do presidente e lhe mostrei a matéria, e
ele corrigiu de próprio punho, a lápis… Corrigido o texto pelo próprio
presidente voltei ao jornalista e disse: ‘Pronto, está aqui. Com a
letra dele. Está satisfeito?’ ‘Pô, é mesmo, foi ele mesmo quem
escreveu’. ‘Claro!’.”
Ou de Saïd Farhat, antes de ser porta-voz de Figueiredo:
“Fui procurado pelo Severo Gomes, então Ministro da Indústria e
Comércio. Ele disse: ‘O presidente Geisel me autorizou a convidar você
para ser presidente da Embratur. Você aceita?”. Eu respondi: ‘Aceito,
sim. O que a Embratur faz?’.” Em outro ponto, ele, assim como todos assessores da ditadura, se refere à campanha para a presidência. Mais de uma vez fala “durante a campanha”…
Isso para lembrar a circulação do ditador escolhido, eleito com voto
de cartas marcadas, no Congresso Nacional. Como a ditadura gostava de
parecer democrática.
Ainda que o livro não tenha qualquer espírito investigativo, pois as
palavras dos entrevistados são sempre as últimas, e se aceitam sem
qualquer contraditório, aqui e ali saltam atos falhos. A primeira coisa
que se ressalta é a banalização da ditadura. É como se um golpe de
estado, censura, clima de terror, torturas e assassinatos não fossem o
preço necessário para o acesso agradável aos ditadores. Um serviço à
ditadura que assim é justificado por Carlos Chagas:
“…ser Secretário de Imprensa do Presidente era um posto no qual
se ficava no foco, importante, um passo adiante na carreira… porque era
bom conhecer o outro lado, como é que funciona, porque até então eu só
conhecia o lado de cá.. eu iria participar da abertura e ia acabar com
o AI-5”.
Ou aqui em Marco Antônio Kraemer, segundo assessor de Figueiredo: “Todos
nós queríamos liberdade, tinha que acontecer. E era melhor acontecer,
como vou dizer… sob controle. Era melhor do que explodir”.
Mas nada se compara a Alexandre Garcia, que esteve numa posição
intermediária entre assessor do assessor e secretário do secretário de
imprensa de Figueiredo. Ele assim se dirigiu, em suas primeiras horas
de poder, ao general Rubem Ludwig: “Agora, gostaria de ouvir os
seus conselhos de como proceder lá dentro, porque costumo vestir a
camisa dos lugares onde trabalho”. Sincero o jornalista, sem dúvida.
Para Alexandre Garcia, enfim, nada é mais honroso que isto, exibido com orgulho em seu currículo: “Condecorado com a OBE (Ordem do Império Britânico) pela Rainha Elizabeth”. Salve, Rainha. Por tal honra, John Reed e semelhantes se torcem até hoje de inveja.
FONTE:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/urariano-mota-o-papelao-de-assessores-de-imprensa-na-ditadura.htmlGRIFO NOSSO : Cada dia que passa vamos nos desmotivando de ler estes tablóides oriundos de uma parcela pobre e medíocre do "jornalismo" provínciano praticado neste país. Como confiar na veracidade de instrumentos totalmente infectado por ideários políticos distorcidos e maledicentes?
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