por Leonardo Boff
O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na segunda semana de janeiro, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam frequentemente deslizamentos fatais.
O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na segunda semana de janeiro, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam frequentemente deslizamentos fatais.
Culpam-se pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se
políticos corruptos que destribuíram terrenos perigosos a pobres,
critica-se o poder público que se mostrou leniente e não fez obras de
prevenção, por não serem visíveis e não angariarem votos. Nisso tudo há
muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal desta tragédia
avassaladora.
A causa principal deriva do modo como costumamos tratar a natureza.
Ela é generosa para conosco pois nos oferece tudo o que precisamos
para viver. Mas nós, em contrapartida, a consideramos como um objeto
qualquer, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhum sentido de
responsabilidade pela sua preservação nem lhe damos alguma retribuição.
Ao contrário, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o
que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa
imensa lixeira de nossos dejetos.
Pior ainda: nós não conhecemos sua natureza e sua história. Somos
analfabetos e ignorantes da história que se realizou nos nossos lugares
no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em
conhecer a flora e a fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as
pessoas significativas que ai viveram, artistas, poetas, governantes,
sábios e construtores.
Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico
moderno que identifica a realidade com seus aspectos meramente
materiais e mecanicistas sem incluir nela, a vida, a consciência e a
comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos
evocam em suas magníficas obras. O universo e a natureza possuem
história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo
afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e
pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que
eles nos mandam.
Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o
sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico
Mendes com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica
do Acre sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem
de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a
direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós
desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história
inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos
currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou
técnica para dominar a natureza e acumular.
No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais
no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos
que já se instalou o aquecimento global que torna os eventos extremos
mais freqüentes e mais densos. Conhecemos os vales profundos e os
riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos
enviam que é: não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e
preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um
normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes e outro maior que dá
vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode
construir e morar.
Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da
mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe
agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o
modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.
Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e
soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário
teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.
Leonardo Boff é filósofo/teólogo
FONTE:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/leonardo-boff-o-preco-de-nao-escutar-a-natureza.html
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