As cenas de repressão descabida registradas na sexta-feira última
(18.fev) pela Polícia Militar de São Paulo contra jovens que
manifestavam contra o aumento da tarifa do ônibus, longe de ser um fato
isolado fazem parte da paisagem da capital e deste estado como um todo.
Toda vez que a PM se defronta com movimentos sociais ou manifestações
espontâneas da população, é raro não acabar em violência ou, para usar
um eufemismo da mídia, uso excessivo da força. Mas, afinal de contas,
por que isso acontece com tanta frequência em São Paulo? Uma boa forma
de entendermos esse mais de força, mais de violência é olhar para o
brasão da PM paulista, compreender sua gênese e o que ele representa.
Apesar de ter surgido de outras instituições, primeiro como uma
milícia de São Paulo que lutou contra levantes e insubordinação de
pobres pelo país, a polícia militar representa o orgulho das classes
alta e média paulistanas em ter uma organização cujo currículo consiste
basicamente na repressão de gente mais fraca e, principalmente,
perseguir e, às vezes, eliminar civis e insubordinados para garantir-se
como a fundação sangrenta da ordem paulista onde os fortes batem nos
fracos, que são maioria.
No começo ela se institucionaliza como força militar do Estado,
princípio federativo radical onde, em ultima instância, era possível
imaginar um conflito contra outros estados da federação e mesmo o poder
central. O que chega a ocorrer de fato no levante paulista de 1930.
Posteriormente, progressivamente se subordinam ao poder central, perdem
sua aeronáutica e, finalmente, o próprio regime militar, notando tamanho
potencial, cria no Brasil algo que Pinochet criou no Chile, uma
instituição militar junto com uma policial para substituir a polícia
política que sustentava sua ditadura.
E isto se mostra pelo símbolo da PM, o Brasão , onde cada estrela representa um levante ou um morticínio diferente.
1ª estrela – 15 de Dezembro de 1831, criação da Milícia Bandeirante.
2ª estrela – 1838, Guerra dos Farrapos.
3ª estrela – 1839, Campos dos Palmas.
4ª estrela – 1842, Revolução Liberal de Sorocaba.
5ª estrela – 1865 a 1870, Guerra do Paraguai.
6ª estrela– 1893, Revolta da Armada (Revolução Federalista).
7ª estrela – 1896, Questão dos Protocolos.
8ª estrela – 1897, Campanha de Canudos.
9ª estrela – 1910, Revolta do Marinheiro João Cândido.
10ª estrela – 1917, Greve Operária.
11ª estrela – 1922, “Os 18 do Forte de Copacabana” e Sedição do Mato Grosso.
12ª estrela – 1924, Revolução de São Paulo e Campanhas do Sul.
13ª estrela – 1926, Campanhas do Nordeste e Goiás.
14ª estrela– 1930, Revolução Outubrista-Getúlio Vargas.
15ª estrela 1932, Revolução Constitucionalista.
16ª estrela – 1935/1937, Movimentos Extremistas.
17ª estrela– 1942/1945, 2ª Guerra Mundial.
18ª estrela – 1964, Revolução de Março.
Somente a última estrela representa uma ação própria da Polícia
Militar, mas, mesmo assim, a própria PM surge depois do golpe de 1964,
que ainda chamam e ostentam como revolução, colocando-se assim como um
representante presente do regime de exceção.
Seu nascimento como PM aconteceu, pois, após silenciar potenciais
adversários políticos. Sobrava erradicar os que se insubordinavam
espontaneamente por motivos quaisquer como, por exemplo, quebra-quebras
recorrentes na nossa história contra maus serviços públicos ou outros
levantes espontâneos que não podiam ser imputados à esquerda para
justificar, durante o período do regime militar, o assassinato de seus
líderes como terroristas, pois estavam ali trabalhadores, estudantes,
pobres, mães e outros que não podiam ser chamados de militantes
organizados.
Contra eles surgiu a ideia de uma resposta imediata na cidade, ligada
à gestão da ordem e por isso ao sentido antigo de polícia e não de
investigação ou prisão de pessoas. Era muito mais ligada à mutilação, à
violência, ao assassinato sumário e outros tipos de ocorrência. Não era
necessário investigar, mas bater rápido seja lá em quem for e conseguir
reverter possíveis revezes de equívocos operacionais apoiados na
imprensa, que por sua vez justificaria qualquer atitude do poder
público como o preço em sangue e sacrifício de inocentes para a
manutenção da ordem, isto é, da ordem que mantém os pobres, explorados e
insubordinados em seu lugar. E pra isso surge a Polícia Militar.
A Polícia Militar pode tudo, pois atua no mundo civil, mas só é
processada pelo poder militar, sendo a ele subordinado, pois o máximo
que um policial militar consegue chegar é a um grau intermediário do
exército, colocando como força de última instância do controle da
população, estruturalmente corrupta, como as reportagens recentes
mostram e repetem, mas que, passados os períodos em que a memória se
aviva com escândalos, ressurge sua inviolabilidade por qualquer norma do
direito civil ou constituição, sendo-lhe atribuída ao mesmo tempo o
direito de interpretar o que é a ordem e mantê-la.
Eis mais um daqueles resíduos que criam uma mitologia própria, como
vemos no Brasão que coloca fases diversas de instituições de funções
diversas como uma coisa só, milícia, força pública e polícia militar,
conjurando e misturando o orgulho em ser paulista com o amor à repressão
e à violência e que, na verdade, é uma criação que na origem sustentava
o regime militar na ditadura, mas que, misteriosamente, permanece para
além dela.
Ostentando um brasão com um currículo desses é difícil não concordar
com o professor Gilson Teixeira de que: “A manipulação autoritária,
realizada pelo regime militar, em relação aos órgãos policiais,
transformando-os em agencias estatais diretamente responsáveis pela
prática da repressão ideológica, da prisão clandestina e ilegal, e da
prática de tortura como método de trabalho, contribuiu para uma cisão
profunda entre a sociedade e a polícia” (TEIXEIRA, Gilson. “Os ‘Homens
da Lei’: um estudo do ethos profissional dos policiais civis do Rio de
Janeiro”, p. 78).
FONTE:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/violencia-da-pm-paulista-seu-proprio-brasao-explica.html
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