O governo Dilma Rousseff não completou ainda nem os “cem dias de
trégua” e já causa polêmicas em setores da sociedade que tiveram papel
ativo na sua eleição. Alguns se mostram decepcionados e anunciam o seu
“desembarque”, adotando posturas típicas de oposição. Outros não toleram
qualquer tipo de censura à presidenta e rotulam os críticos de
“direitistas”, “afoitos” e outros adjetivos mais baixos. Penso que os
dois extremos estão equivocados, erram pela precipitação.
Truque rasteiro da mídia demotucana
Não dá para cair no truque rasteiro da mídia demotucana, que tenta
colocar uma cunha entre Lula e Dilma. A presidenta, com seu estilo
próprio, representa a continuidade do seu antecessor. Sabe que foi
eleita devido à popularidade de Lula, adquirida não por causa de seu
carisma – mas graças aos programas sociais de transferência de renda, à
valorização do salário mínimo, à postura democrática de diálogo com os
movimentos sociais, à política externa altiva e ativa que granjeou
respeito mundial.
Seria um suicídio político romper com esta trajetória, que conquistou
amplo apoio da sociedade. Dilma sempre demonstrou muita firmeza de
convicção no propósito de fazer avançar nestas mudanças. Além disso, o
seu governo, apesar de priorizar a aliança com o centrista PMDB, tem
forte presença de partidos e personalidades progressistas. Em algumas
áreas isto já tem reflexos, como na Secretaria de Direitos Humanos que
adota posições avançadas sobre a Comissão da Verdade e na luta contra a
homofobia.
Retrocessos no campo econômico
Retrocessos no campo econômico
O motivo das críticas, mais uma vez, encontra-se no campo econômico. A
exemplo do primeiro mandato de Lula, o novo governo se inicia com
medidas ortodoxas na macroeconomia – política monetária de elevação dos
juros, política fiscal de corte de gastos e política cambial de
libertinagem financeira. É o mesmo tripé de viés neoliberal do primeiro
mandato de Lula. Com uma diferença básica: Lula podia argumentar que
recebeu uma “herança maldita” de FHC, o que exigia medidas cirúrgicas e
duras na economia.
Já Dilma Rousseff não tem como usar o mesmo argumento. Ela recebeu
uma “herança bendita” de Lula em vários terrenos e tinha tudo para
avançar. Infelizmente, tem predominado a visão administrativista, de
evitar “marolas” e acalmar o “deus-mercado”. A oposição de direita e
sua mídia já perceberam a contradição e adotam uma tática malandra.
Criticam o que as forças progressistas elogiam – como a política de
direitos humanos – e elogiam o que elas criticam – a política econômica
ortodoxa.
Dois extremos perigosos
Nesta complexa disputa de idéias e projetos, as forças progressistas
que garantiram a vitória de Dilma Rousseff também precisam agir com
inteligência política. Nem partir para o oposicionismo frontal, que
jogaria a sociedade na frustração e seria utilizado pela direita e sua
mídia, nem cair na passividade acrítica. A luta política é um permanente
jogo de pressões e contrapressões. Hoje não basta mais eleger
governos, é preciso co-governar. A direita faz a parte dela, ancorada
no principal partido do capital – a mídia.
As forças que desejam o avanço nas mudanças precisam também fazer seu
jogo. Não podem ficar como espectadoras – como diz o José Simão, “quem
fica parado é poste”. Neste sentido, as centrais sindicais acertaram
ao criticar a presidenta pela “falta de diálogo” e ao pressionar o
governo por um reajuste maior do salário mínimo. Acertam também
aqueles, como muitos blogueiros, que apontam as falhas do governo em
vários outros terrenos – como nas posições erráticas diante dos barões
da mídia.
Autonomia, pressão e inteligência política
Num congresso de professores em São Paulo, João Felício, ainda
presidente da CUT, usou uma expressão muito apropriada para a fase
atual. Após rejeitar o voluntarismo esquerdista, ele também fez duras
críticas à “passividade bovina”, daqueles que dizem amém a tudo o que o
governo faz e fala. Referia-se, inclusive, a setores da sua própria
central sindical, que não protagonizou uma pressão mais contundente
contra a reforma regressiva da Previdência Social, no início do governo
Lula.
Os setores progressistas precisam combinar três ingredientes básicos
na luta política: autonomia, inteligência política e pressão. Autonomia
para garantir o espírito crítico e vigilante. Inteligência para não
fazer o jogo da direita. E pressão social para fazer avançar as
mudanças. A soma destes ingredientes só fará bem ao governo Dilma,
ajudando a alertar e corrigir erros de rota. A “passividade bovina” não
ajuda em nada. De puxa-sacos, Brasília já está lotada.
FONTE:
http://www.patrialatina.com.b/colunaconteudo.php?idprog=8562ae5e286544710b2e7ebe9858833b&codcolunista=31&cod=1934
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