Ação brasileira no Oriente Médio irritou os EUA, revela WikiLeaks
Publicada em 06/02/2011
José Meirelles Passos
RIO – A iniciativa do Brasil em se
inserir, de alguma forma, no processo de paz no Oriente Médio tornou-se
uma dificuldade a mais para o governo americano: os Estados Unidos têm
encarado essa ingerência brasileira praticamente como uma intromissão
indevida; e se queixam, nos bastidores, de que ela mais atrapalha do que
ajuda naquela tarefa.
“As posições inúteis do Brasil e
suas declarações às vezes inexatas com relação ao Oriente Médio, tornam
as águas mais turvas para a política e os interesses dos Estados Unidos
no Oriente Médio”, conclui um dos telegramas escritos pelo então
embaixador americano em Brasília, Clifford Sobel, agora revelado ao
GLOBO pelo WikiLeaks.
Um pequeno pacote contendo 26
mensagens confidenciais enviadas a Washington por aquela representação,
entre abril de 2004 e dezembro de 2009, deixa transparecer claramente um
motivo da insatisfação americana com essa indesejada presença do Brasil
nas negociações: o fato de o governo brasileiro agir por conta própria,
sem antes consultar os EUA.
“Funcionários do Itamaraty
recusaram os pedidos dos EUA de que o Brasil nos consulte antes de fazer
pronunciamentos que possam complicar as delicadas reuniões de paz. O
Itamaraty declarou que o Brasil não precisa pedir permissão aos Estados
Unidos para realizar iniciativas de política externa, e que os Estados
Unidos devem esperar por mais declarações brasileiras sobre assuntos do
Oriente Médio”, relata também Sobel.
A queixa principal é a de que o
Brasil não aceita apenas os tradicionais negociadores, insistindo na
presença de outros países à mesa de negociações, além de mais
personagens da região – que os EUA não engolem – como os grupos Hamas e
Hezbollah, além do Irã. Sem esse engajamento, em vez de isolamento, não
haveria uma solução duradoura.
Depois que o ministro das Relações
Exteriores, Celso Amorim, propôs tal coreografia durante uma viagem à
região, os Estados Unidos argumentaram: “A viagem de Amorim criou
confusão e enviou sinais embaralhados, e isso acentuou o perigo de que
‘um grupo de apoio de retaguarda’, como o Brasil quer estabelecer,
poderia inadvertidamente se transformar num ‘grupo de sabotagem de
retaguarda’”.
Em outro despacho, oito meses mais
tarde, o diplomata insistiu: “As posições do Brasil sobre assuntos
referentes à paz no Oriente Médio estão evoluindo, mas ainda carecem de
profundidade, e isso leva a posições que ainda não são úteis para
resolver o problema. Diplomatas árabes com quem temos conversado dizem
que as posições do Brasil são ingênuas”.
Para ministro egípcio, tema virou obsessão
Mahmoud Nayer, ministro da
Embaixada do Egito em Brasília, em 2009, disse a Sobel que a entrada do
Brasil no circuito nada mais era do que uma forma do país ganhar corpo
em sua ambição de obter um assento no Conselho de Segurança da ONU.
“Isso é uma obsessão e, francamente, eu já nem sei mais como falar com
eles sobre isso, porque esse assunto surge em todas as nossas
conversas”, afirmou Nayer.
A comunidade judaica brasileira,
também procurada pelos diplomatas americanos em busca de reforço aos
seus argumentos, pintou um quadro ainda mais radical: o rabino Henry
Sobel acusou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, literalmente, de
ser antissemita, assim como a liderança sênior do Itamaraty.
“Os esforços do governo brasileiro
até hoje refletiram um enfoque altamente favorável aos árabes. Lula não é
amigo de Israel ou dos judeus”, insistiu ele, acrescentando que por
isso mesmo o Brasil não era um candidato essencial para um assento
permanente na ONU. Segundo a embaixada americana, Abraham Goldstein,
presidente da B’nai B’rith do Brasil, a maior entidade judaica de
direitos humanos, endossou as opiniões de Sobel, e disse que vinha
notando um crescimento do antissemitismo no Brasil.
Em vários dos telegramas, a
embaixada americana solicita a Washington o envio à Brasília de
especialistas em Oriente Médio, para convencer tanto o governo quanto os
parlamentares e a imprensa de que a posição dos EUA é a mais viável.
“Temos que engajar o Brasil, em níveis altos, se quisermos ter a
esperança de que o país adote uma posição mais equilibrada, em vez de
simplesmente acrescentar a sua voz ao já totalmente repleto coro
anti-israelense”, diz um dos documentos.
Outro estabelece de forma ainda
mais bruta: “Temos de aproveitar a oportunidade de tentar desviar o
Brasil de seu costumeiro papel de franco atirador secundário, e tentar
recrutá-lo para um papel mais útil ou pelo menos verdadeiramente neutro”
FONTE:
http://www.conversaafiada.com.br/mundo/2011/02/07/eua-nao-admitiam-que-lula-e-amorim-tivessem-autonomia-no-oriente-medio/
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